POEMA DA CAFETERIA (II)
Agorinha mesmo o sol brilhava, neste instante chove.
O vento, até então ameno, sopra forte
e se move rumo ao norte.
Sob a marquise da cafeteria,
o cão vadio, antes arredio,
se arrepia e se enrodilha em pernas tolerantes.
Na mesa próxima ao balcão,
duas mulheres joviais dividem um pastel de camarão
e mastigam o fel das crises conjugais.
Wanderlino Teixeira
CONFISSÃO DO TIMBURIANO
Brotei não por acaso em Timburi
E em árvore me fiz a vida inteira,
Tento, pois, encarnar essa madeira
E a seiva que em criança lá hauri;
Das águas, pelo pranto que verti
Dos seus orvalhos e suas cachoeiras.
O encanto do amor que me sustenta,
Vêm-me, talvez, das ruas acanhadas;
De pássaros a assoviar, violas dolentes...
Mais que a ferro, são marcas carimbadas.
Os sanguíneos barrancos das estradas
Parodiando a Janela do Poente.
De Timburi carrego em mim a roça
De soluços redondos de carroça,
De cascos de cavalos marchadores.
Muito mais do que a terra, a paisagem,
Eu trago esta saudade que me coça
E ao mesmo tempo anestesia as dores.
Geraldo Generoso
ERA UMA VEZ, QUASE NOITE...
Ontem meu pai chegou
em inesperada visita.
Eu tomava café.
Ofereci a ele uma xícara.
Fumou um cigarro na janela.
Falou de umas tantas andorinhas
que trançavam o fim do dia...
Contei-lhe dos bisnetos que não conheceu.
A cada graça das crianças, ele sorria...
Na hora de ir embora,
sua mão de vazios pega a minha,
e a voz de neblina convida: − Vem comigo?
Eu quase que ia...
Lena Jesus Pontes
(para papai, in memoriam, passados 20 anos de sua partida)
AO SABOR DA PENA
Espalmadas e entregues ao sabor da pena
esperam a inspiração mesmo que pequena
de poetar intermitente
versos calados no coração em dor.
Qual a cor do pecado existente
de não se querer mais ser pertinente
a um motivo para viver
vida mesma sempre.
Quantos "es" escreverei ainda hoje
momento em que cansei de pensar
deixo apenas o escorrer da tinta preta
não deixando o papel em branco.
Eu poeta é ironia do viver
sou artista de outras artes talvez
ou apenas jardineira da Babilônia
que caiu perdida ao findar o mundo!
Agora só devaneios as mãos escrevem
desvairada a ira me consome
nada percebi nas imagens refletidas
no espelho da poça que se fez no chão.
Lígi@Tomarchio®
QUANDO EU ERA UM PETIZ
No seio materno, saciei a fome
Da carência orgânica e calor humano.
Do colo de minha mãe, eu não me engano,
Comecei a ter Deus e a tudo em Seu nome.
Via em meu pai o maior homem do mundo,
Sentia-me forte em sua companhia.
Igual a ele, esperava ter, um dia,
Veio moral inesgotável, fecundo.
Mas a infância se foi e meus pais também...
O povo tateia entre a paz e o insulto!
Não sei se agora compensa ser adulto,
Detido em minha própria casa, um refém.
Ganhei na vida mas perdi na vivência,
Nada se compara à minha meninice.
Assim como um poeta certa vez disse,
A idade adulta tirou-me a independência.
Quando eu era um petiz, vivi a bonança
Do sorriso do amigo, do amor dos pais.
Da vida segura, que terei jamais...
Quem dera eu voltar aos tempos de criança!
Ógui Lourenço Mauri
Catanduva (SP), 31 de agosto de 2013.
RETRATOS AMARELADOS
Remexendo em meus guardados
encontrei adoráveis lembranças,
eram imagens de tempos passados
esquecidas entre lutas e andanças.
As emoções me dominaram e chorei
ao me ver no colo de meu pai amoroso,
por que tantos que em minha vida adorei
já tiveram que partir em um dia astroso?
Lembrei-me de muitos dias perfeitos
nos quais fazia tudo para me agradar,
por amá-lo e à sua alegria e trejeitos,
sofri muito ao vê-lo da vida se degradar.
Mas precisamos continuar respirando,
seguir lutando e encarando o destino,
até que a sentença final chegue soando
a hora de partir para o azul celestino.
Segurei seu sorriso entre meus dedos
e mais uma vez despedi-me do gigante,
jamais esquecerei seu amor e folguedos
que me acompanharam a cada instante.
Lupércio Mundim
BARCOS
Largados sobre a areia sem um norte,
Ardem ao sol. Em noite enluarada
Desprendem do seu casco apaixonada
Vontade de viajar sem passaporte.
Cada um é uma estátua ensimesmada
Olhando o infinito atrás de sorte,
De peixe e vento, relembrando a morte
À espreita em cada vaga disfarçada.
Tão tristes barcos, sôfregos de mar,
Remos ao largo, vivem imaginando
Em vez da areia, as ondas no alto-mar...
Barcos que anseiam água... e nós ansiando
Ávidos barcos para em nós salvar
Sonhos perdidos, quase se afogando...
Regina Coeli