O MEU RETRATO
Sou magro, sou comprido, sou bizarro,
Tendo muito de orgulho e de altivez.
Trago a pender dos lábios um cigarro,
Misto de fumo turco e fumo inglês.
Tenho a cara raspada e cor de barro.
Sou talvez meio excêntrico, talvez.
De quando em quando da memória varro
A saudade de alguém que assim me fez.
Amo os cães, amo os pássaros e as flores.
Cultivo a tradição da minha raça
Golpeada de aventuras e de amores.
E assim vivo, desatinado e a esmo.
As poucas sensações da vida escassa
São sensações que nascem de mim mesmo.
Olegário Mariano
(Evangelho da sombra e do silêncio, 1912.)
A ÚLTIMA CIGARRA
Todas cantaram para mim. A ouvi-las,
Purifiquei meu sonho adolescente,
Quando a vida corria doidamente
Como um regato de águas intranqüilas.
Diante da luz do sol que eu tinha em frente,
Escancarei os braços e as pupilas.
Cigarras que eu amei! Para possui-las,
Sofri na vida como pouca gente.
E veio o outono... Por que veio o outono ?
Prata nos meus cabelos... Abandono...
Deserta a estrada... Quanta folha morta!
Mas, no esplendor do derradeiro poente,
Uma nova cigarra, diferente;
Como um raio de sol, bateu-me à porta.
Olegário Mariano
(Últimas cigarras, 1920.)
DESTINO
Aquela voz era intranqüila. Trago-a
No ouvido ainda ininterruptamente:
Voz de alma que sofreu, voz de vivente,
Desoladora e trêmula de mágoa.
Era o rio da Vida; a água paciente
Que, arrastando calhaus, de frágua em frágua
Ora beijava a sombra na corrente,
Ora abraçava o Sol com os braços de água.
Deus te leve, água pura e fresca!... A treva
Não te interrompa a marcha transitória,
Porque o Destino ingrato que te leva
Para o vale florido ou o amplo deserto,
É o mesmo que me arrasta o passo incerto
Para o despenhadeiro ou para a Glória.
Olegário Mariano
(Destino, 1931.)
HOMENAGEM AO POETA ALBERTO DE OLIVEIRA
Não, não morreste, mestre Alberto de Oliveira!
Ouço-te ainda a voz de ritmados acentos.
Ora no perpassar desenfreado dos ventos,
ora no turbilhão das águas em cachoeira.
Vejo-te o vulto ereto e firme de palmeira
A fronte desfraldados largos firmamentos.
E em teus poemas escuto os humanos lamentos,
O rugir das paixões no espasmo da cegueira.
Em cada arbusto, em cada fonte, em cada ser
Ficou, por tua ausência uma sombra de mágoa
Que lá dos altos céus tu não consegues ver.
E nas noites de luar, quando é mais triste o luar,
O Paraíba estende os longos braços de água
Para as margens, num choro triste, a te chamar.
II
E te chama baixinho a cancela da estrada
E o fio d'água, entre begônias na floresta.
Pergunta onde andarás às abelhas que em festa
Tecem poemas de mel na colmeia dourada.
O cavaleiro quando passa em disparada
Diz o teu nome ao vento e o vento à serra. E nesta
Velha paineira aberta em flores, inda resta
Chuva de pólen dos teus versos na ramada.
Festa de asas, cantar de pássaros...Rumor
De insetos...Anda no ar transparente ligeira
A primavera clarinando em teu louvor.
E a casa que foi tua e hoje é casa de Deus,
pelos braços da velha e esgalhada mangueira
Manda-te ao por do sol, o seu último adeus.
Olegário Mariano
O Poeta Alberto de Oliveira foi Professor de Olegário Mariano, em 1904, no Ginásio Pio Americano, na cidade do Rio de Janeiro.
Em 1938 Olegário assumiu o título de Príncipe dos Poetas Brasileiros, substituindo assim, o seu Mestre Alberto de Oliveira.
Homenagem publicada na Revista Ilustração Brasileira de julho/1937